1 PRÓLOGO DO JANTAR
Talvez esta seja a forma correta de me atentar as inquietações do mundo, das coisas que passam e das que ficam e doravante as que permanecem agregadas aos sentidos, as cores e as formas nunca antes imaginadas pelos mais variados e sublimes graus da consciência humana. Escrever um prólogo é escrever a vida; é um misto de regressão ao cosmo, fictício, lunar, humano. O tempo é testemunha das palavras descritas, ato após ato dentre minhas noites de silêncio, palavras que se seguem fieis, duvidosas e repetidas, algumas não sobrevivem quando entram em contato com a atmosfera da vida imaginária, algumas reagem e permanecem defeituosas em meio mundo, algumas vorazes bradam e insiste em permanecer palavras, cena, ato, ação, construção, vida!
Meu contato com tamanha arte me fora dada de súbito; uma súbita e inefável sensação indivisível diante de pequenos olhos que imaginavam o que poderia haver por detrás daquela ópera que se apresentava naquela tarde de um dia qualquer, digo dia qualquer porque as coisas que permanecem em mim escapam a datas e números indivisíveis e incalculáveis, mas as coisas que permanecem em mim são aquelas que me estimulam sensações, e me transportam a este lugar deveras vezes desde que eu me permita a seguir tal caminho proposto por minha consciência-inconsciente, diante daquelas paisagens que passavam perante meus olhos, naquele estimado tempo significativo, uma pacata cidade, o sonho de uma mulher desejando comer a língua do boi, a punição por tal ato consumado, o circo chegando à cidade, e uma chuva de estrelas. Percebo hoje que no meu tempo a política de formação de platéia obtinha seus êxitos estimados, mesmo que diante dos berros dos pré-adolescentes atônitos, alguns eram tocados pelas centelhas dionisíacas. Poderia eu buscar uma lógica para meus sentidos? Poderia eu buscar as lógicas das sensações? Logo estou eu diante das palavras. Em uma palavra ela não existe de fato, ela existe em imagem como bem pregou Jean Paul Sartre (1997).
Minha estimada procura através deste entendimento perpetuou-se através dos tempos, colocando-me entre Shiva e Dioniso. Comemora-se todo dia 6 do mês de março o Mahashivaratri, uma espécie de festival sagrado ao grande deus hindu Shiva. Senhor da destruição; destruidor de todas as ilusões, dançarino cósmico, deus da vida, morte e renascimento, senhor da magia, matador de demônios, protetor dos fracos e oprimidos, senhor da renovação e da regeneração. Os mistérios em Shiva se dissolvem na criação para o aparecimento de outra ele remove a ignorância para dar lugar ao conhecimento, assíduo dominador das disciplinas físicas e mentais; geralmente podemos encontrá-lo em suas imagens meditando, e muitos, numa análise de superfície amedrontam-se com inúmeras serpentes e de sempre está coberto por cinzas, podemos descrever significativamente em uma análise breve onde se situa os sentidos destes elementos que compõem o grande Shiva, por exemplo: A cobra leva a superioridade do ego, sendo que para ele, dominador consciente do real ilimitado, tem isso como um simples adereço, as cinzas a queima da ignorância e da ilusão, com um coque na cabeça apara o rio Ganges que vem com grande força destruidora, para fazer com que este mesmo rio saia tranqüilo para abençoar os seres da terra. Em seu lado em uma das mãos o tridente, Trishúla, símbolo do renunciante, e na outra o Damaru, pequeno tambor onde partem os primeiros sons da criação. Shiva é também simbolizado por um Lingar, em sânscrito, significa alguma coisa que com ajuda da qual você ver outra coisa. Este objeto é uma forma sem forma específica, uma forma que certamente inclui todas as formas, é o símbolo do todo.
Vejo que diante de tamanha influência poderia colocar em inúmeros questionamentos em que realmente Shiva e Dioniso de diferenciam ou se igualam, mais ainda onde se encontra registrada tal influência em meus escritos, em minha vida; tanto Shiva quanto Dioniso foram a dado momento de suas vidas exímios caçadores. Sendo esse inclusive o nome do primeiro Dioniso “Zagreus” que significa o grande caçador; na icnografia de ambos, um possui chifre de touro e o outro possui uma lua crescente nos cabelos, um no pescoço e o outro faz dela um adorno, uma guirlanda. Ambos se vestem com tangas de pele de leopardo seus animais favoritos ficam entre os touros e os felinos. Shiva o tigre e Dioniso as panteras, Dionísio se veste com roupas femininas, Shiva é representado em seu corpo com traçados femininos. Sem dúvida são os deuses mais ligados aos humanos e também os mais completos e complexos. Suas energias emanam das forças primordiais advindas dos mais recônditos da mente humana, com o objetivo de nos ajudar a enfrentar essas forças que nos desafiam diante do mundo acelerado e complexo. Devido a isso está a grande influência de ambos em minha vida, e na vida de muitos. Estes que nos levam ao estado de êxtase mostrando realmente quem nós somos, para que finalmente possamos nos libertar de todas as restrições impostas pela sociedade de nossa época; conduzindo-nos e levando ao que realmente somos para aquilo que realmente queremos ser; em uma das imagens de Shiva na sua representação como o grande Nataraja, os símbolos do deus dançarino refletem nos sentidos dos seus seguidores a seguinte frase: “Vá além do mundo, das aparências, vença a ignorância interior e torne-se Shiva, o grande meditador, aquele que enxerga a verdade através do olho que tudo vê”. Minha paixão por imagens teria sua gênese naquele instante, quando avistei aquela figura que trazia em si todas as virtudes primordiais humanas semiologicamente apuradas, das terras de Kali, lugar este, guardião de umas das maiores epopéias já escritas em toda história dos seres viventes, narrativa que até hoje nunca fora no total traduzida e que juntas superam a própria Ilíada e a Odisséia de Homero.O Kathakali, narra os processos de criação das civilizações e das paixões humanas, o homem e seus sentidos mais íntimos , neste grande encontro entre Krishina e seu servo Arjuna.
Alice me fora um presente, um verdadeiro lingar, presente duvidoso e ao mesmo tempo desafiador, jantar com Alice me resultara em noites perdidas de sono, inquietações das mais inenarráveis possíveis, antes de tudo me fora enviado um convite até que um dia decidimos nos encontrar. Esta obra não foi resultante de um milagre, de um colóquio divinal, não! Esta obra foi uma resultante de um detalhe simples, o hábito de ver o mundo de outra forma, um hábito costumeiro de absorver idéias buscando a partir das ações e reações humanas em nossa volta, percebendo as mudanças entre o dia e a noite, o positivo e o negativo, a caridade e a abnegação como afirmam Peter Brook (2002) em seu processo de criação do espetáculo “A tempestade” de Shakespeare, o teatro tem que ser substância e significação...” Mais a frente acrescenta: “O ser humano, que é a forma mais complexa, vive e morre, as células vivem e morrem, e do mesmo modo as línguas, os padrões, as atitudes, as idéias,as estruturas nascem, decaem e desaparecem...” (BROOK, 2002, p 74)
O fabuloso destino de “ELA” a atriz que mergulha no dissociativo mundo das fábulas de Lewis Carrol, em uma fração de segundos vê-se diante dessa substância da significação, aperfeiçoou-se se tornando uma eximia intérprete da personagem Alice, não se atentando para essa complexidade da vida humana, em que o tempo é vulnerável e solúvel, capaz de tornar as experiências em nada menos que imagens vagas ou vibrações cerebrais, pensamento, lembrança dos tempos que em algum momento foram matéria viva. Poderia então ela tornar tudo isso em matéria constante, simplesmente aperfeiçoando-se na linguagem, no método, na imagem, pois, seu público fiel crescera: as crianças alcançaram uma metragem significativa, mas Alice permanecia a mesma, ao mesmo tempo em que o mundo fora da edificação cênica pela qual se apresentava, também estava sujeito a mudanças com o avanço da sociedade mercadológica. ELA permanecia a mesma. Seu diálogo com o mundo se dava somente pelas madrugadas, nas páginas de relacionamentos no momento em que se cumpriam as satisfações de sua vida aos internautas em seu Blog, páginas de bate-papo e assim por diante, exato momento em que fazia a avaliação do sucesso de público ou de um público menos quantitativo com seu amigo Agenor, que interpretava o coelho na fábula, ambos desaprendera a falar, pensar, os diálogos entre si nada mais seriam do que letras que seqüenciadas formavam palavras, silenciosas e narradas pelo pensamento.
Em uma noite, após dado o veredicto, ELA se surpreendera ao ver em sua sala de jantar o próprio Agenor, materializado, figura viva externada do seu subconsciente, cumprindo a função de transportá-la ao mundo dos estímulos e das sensações, precisava estar lá cumprindo este rito de passagem, onde o mesmo apresenta a ela os dois caminhos, as duas máscaras, as facetas da representação e do mundo fora ao universo fictício; o quanto poderia este ser inúmeras personalidades num só dia, ou ser mesmo o próprio Agenor; o quanto ela poderia ser inúmeras personagens no decorrer da sua carreira teatral, ou somente Alice no país das maravilhas.
Dada escolha que desencadeia num arcabouço de seqüências imagéticas sobrepostas, um Letimotive visual, onde cada ato apresenta em si um fragmento da lógica dos sentidos. A lagarta azul traz a lógica do crescimento, das transformações e das metamorfoses. Alice menina torna-se o ponto que marca a fase de crescimento e suas descobertas na puberdade, e a lagarta, minutos antes de enfeitar-se na crisálida e tornar-se outro ser vivente, discute as variadas facetas pelo qual se sujeita a vida em suas transformações, tudo por intermédio de um cogumelo, que transforma e que a transporta do real ao fictício. Segui-se a seqüência da rainha Vitória do Reino Unido, fruto da real imaginação de Lewis Carrol em sua época, sendo este o autor e fotógrafo preferido da família real, quadro que no espetáculo apresenta-se paralelo a uma cena onde nos remete a noção de tempo extra-espetáculo, tempo extra-fábula acompanhando também o fim dos longos anos da sua Era marcada pela Revolução Industrial e com grande destaque nas artes, na política e na economia. A vila dos apartamentos em seu encontro com o Gato de Cheshire, momento este que marca o tempo de descoberta da pequena Alice com seu próprio corpo, o gato aparece dando sentido ao superego manifestando-se como o objeto das alturas (ídolo) pelo qual aconselha a garota a procurar pela Lebre de Março ou o Chapeleiro Louco. Segue-se para o ato final, quando a mesma presencia a Rainha de Copas em seu grande Jubileu de ouro; rainha esta que representa a castração da criança, em cujo suas boas ações e atitudes podem resultar em abomináveis resultados correndo o risco de ser decapitada. No instante em que a rainha a convoca para jogar em seus campos de croquete, estaria Alice sujeita a seguir as ordens e sob as mesmas ordens estariam seus ouriços e seus flamingos, que tipo de jogo então poderia alguém vencer a rainha, já que em seu tabuleiro todos estão sujeitos eternamente às suas ordens?
No entanto, Um Jantar para Alice apresenta em quadros, cenas simultâneas e lógicas, que desencadeiam num arcabouço de complexos semânticos, oníricos e muitas vezes reais, buscando através do conflito de idéias e imagens a busca por um acaso total, e Alice neste desafio torna-se o maior de todos os acasos, com muita verdade, fé e vigor.
2 A TRAJETÓRIA
Nasci em São Luís do Maranhão, em Setembro de 1983. Sob o nome de Ivaldo Cantanhede Junior, a primeira paisagem que se formara diante dos meus olhos era automaticamente associada às demais paisagens em movimento que cercavam o mundo naquele instante, seria eu mais um acréscimo no contexto do mundo que não para de movimentar-se, produzir e inovar-se. A arte entrou na minha vida um pouco antes da Linguagem teatral, onde minha mãe, filha de um exímio marceneiro, sustentava-nos com a arte em ofício tornando-se uma grande artesã; dessa forma nossa história percorreu o tempo, e seguiu através dele e das influências. O tempo saturou a nossa presença naquele lugar, a nossa vida precisaria tomar um novo rumo, aquele lugar nos deixaria saudade. A escola ficaria distante, tínhamos que acordar muito cedo para esperar o ônibus das seis que só passava a cada uma, duas ou três horas. Alguns diziam que nem chegava a passar. Tínhamos o compromisso de estar enfileirados às 5 da manhã na porta do quintal com as carnes trêmulas de frio diante do mundo que ainda não havia avistado o sol. Seguia-se primeiro as meninas e por alguns segundos, minha mãe sumia em direção ao tonel que guardava a água “fria de morrer”, aos que ficavam ela deixava na companhia do velho rádio à pilha AM, que dava as notícias do mundo naquela manhã. Eu adorava ficar por último, aproveitando a ausência de todos mudava a sintonia para ouvir uma voz que parecia vir de muito distante, seguido das notícias do campo. Hoje sei que aquele instante era um exercício de dar formas as narrativas do locutor, que sempre começava o programa dando bom dia à cidade de São Luís, seguido das horas, minutos e d ima naquele instante lembro-me que eram as mesmas narrativas que me faziam imaginar como estivera o mundo naquele instante mesmo sem eu nunca poder vê-lo naquelas manhãs porque as milhares de árvores encobriam a luz que vinha da BR e as estrelas pareciam muito próximas quase ao alcance das mãos. Lá fora ainda estava infinitamente escuro, o locutor parecia instigar a capacidade de ler imagens sem mesmo vê-las e sua voz ecoava pela casa, pelo tempo todas as manhãs.
Entretanto, fui atraído primeiramente pelo universo literário, tendo como exercício o hábito de ler obras de grandes escritores da nossa literatura. Para mim o que começou como um experimento tornou-se prática constante em ler tais obras e em seguida transformá-las em texto dramático. Para que fosse levada aos palcos das escolas em festivais ou projetos de leituras, depois fui compondo minhas próprias histórias, os fatos que eu desejava ver em alguns livros eu mesmo os compunha , resultando-me em 12 obras destinadas ao público infanto-juvenil, histórias de reis, rainhas, cavaleiros templários e romance adolescente. Costumava escrevê-los sob encomenda de muitos amigos que desejavam ver suas histórias se tornar ficção e deixavam seus finais para que eu pudesse destiná-los ao bom caminho, percurso este que na composição de minhas páginas. Nunca resultara em algo bom para eles, porque sempre estes personagens decidiam, independentemente. seguir seus caminhos pelos caminhos da razão, e muitos não tinham.
Encontrei-me com o ofício de teatro por estas épocas, datadas por volta de 2001, quando a convite participei de um projeto de teatro no qual eu e a professora de literatura organizamos um festival de teatro onde os estudantes de determinadas séries deveriam encenar as obras indicadas para o vestibular. Como ponto de partida as relações dessas obras com as situações cotidianas e a forma como a escassez pela leitura estaria colocando em risco o contato de cada educando; assim como as mais diversas, manifestações culturais, que no nosso caso seria o teatro e a arte de representar; dar vida aos pensamentos daquele autor que pesquisávamos e com o passar do tempo adquiríamos ciência para a futura prova de vestibular, tal projeto que fora levado por muito tempo adiante devido aos enormes resultados e o destaque da escola neste segmento nas provas.
Dramatizar não é somente uma realização de necessidade simbólica com a realidade, proporcionando condições de um crescimento pessoal, mas uma atividade coletiva em que a expressão individual é acolhida. Ao participar das atividades teatrais, o indivíduo tem a oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de maneira responsável, legitimando seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo relações entre o individual e o coletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e ordenar opiniões, respeitando as diferentes manifestações, com a finalidade de organizar a expressão de um grupo. (PARÂMETRO CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p. 83)
Na mesma época, fui instigado por minha professora de artes Conceição Moscoso a fazer um levantamento sobre os teatros da cidade, e ocasionalmente, fui escolhido para fazer um levantamento histórico do Teatro Arthur Azevedo. Sem saber para onde ir, perguntas em cima de perguntas e por fim, consegui avistá-lo bem distante como se suas telhas brotassem do chão ali na Rua do Sol. Este foi meu primeiro contato com este edifício cênico. Naquela época estava em cartaz a ópera boi Catirina, trabalho este que há quase quatro anos estava em cartaz, dessa vez exclusivamente para escolas públicas. Recebi então o convite para adentrar o CINTRA (Centro Integrado Rio Anil). Um grupo se enfileirava diante da porta principal, alguns não tiravam os olhos da fachada imponente, outros se amassavam aos beijos do outro lado da calçada, alguns aproveitavam o momento de distração de seus monitores e fugiam rua acima. Hoje vejo o quanto à política de formação de platéia, embora atualmente um pouco falha, tenha seus efeitos graduais, se junta igualdade com oportunidade e faz com que o acesso as artes cênicas obtenha seus resultados, de curto ou longo prazo. O teatro precisa então tornar acessível sua linguagem abrangente.
As propostas educacionais devem compreender a atividade teatral como uma combinação de atividade para o desenvolvimento global do indivíduo, um processo de socialização consciente e crítico, um exercício de convivência democrática, uma atividade artística com preocupações de organização estética e uma experiência que faz parte das culturas humanas. (PARÂMETRO CURRICULARES NACIONAIS, 1997, 84)
Meu contato após aquele dia perpetuou-se com a notícia que nascia o vestibular para teatro licenciatura. Em uma tarde, na qual eu trabalhava em uma loja de artesanato que minha mãe era proprietária, recebi a visita de uma estimada amiga de escola Márcia de Aquino, grande bailarina e exímia artista, levando-me o anúncio que realmente seria lançado o curso no ano de 2005. Centrei os estudos, o tempo e conquistei uma vaga na universidade. Passaram-se alguns meses e dentro do curso conheci Leônidas Portela, grande amigo que vem deixando a marca do seu profissionalismo na dança do nosso estado, e junto tivemos a idéia de fazer algo que representasse o curso em um sarau promovido pela reitoria da universidade. Daí, depois de inscritos resolveram procurar por membros para compor o grupo, principalmente membros da licenciatura, alcançado estes resolvemos praticar, sob as torturas dos alongamentos, dos aquecimentos, imensos resultados, disciplina física, humana e profissional, estaria surgindo à primeira formação do núcleo Atmosfera de dança-teatro, e a primeira formação de pessoas preocupadas em elevar o reconhecimento do curso. Inúmeros trabalhos, congressos, seminários, todos agregadas a uma vasta produção artística e intelectual, logo recebemos um convite de participarmos do projeto coordenado pelo professor Pazzine, Maria Firmina vai as escolas, Reinventando a história com Negro Cosme e o grande projeto Diálogo das memórias, o imperador Jones de Eugene O´neil, projeto este que durou exatos 3 anos de muita pesquisa e história pra contar. Partindo desta oportunidade pude entrar em contato com inúmeras bibliografias que puderam me nortear rumo ao direcionamento de pesquisas futuras e o gosto pela leitura e investigação. Ao todo, foram fragmentos diversificados e diversos revelando o que cada pesquisa inovadora nos proporcionava, tivemos tempos de crise como toda boa família, onde alguns dos membros do grupo tiveram que abandonar a pesquisa rumo a algo que lhe proporcionasse uma renda fixa, pois havia cobrança da família por tamanho tempo dedicado ao grupo e nenhum retorno financeiro. Não podemos negar que o teatro nos alimenta a alma e as paixões, mas o corpo enquanto matéria cobraria isso também, ficamos muitas vezes entreguem a sensação ruim da fome, esperando por longas horas, do meio dia até as 19 horas e que vez por outra se estendia até as 22 ou 23 horas. Vimos muitos companheiros sendo tragados pela fadiga, inquietude e cobranças, vi muitos amigos ficando pelo caminho e suas silhuetas aos poucos iam desaparecendo no tempo, ficando par trás, enquanto seguimos em direção ao novo mundo, existe algo que vai muito mais além da fome humana. A fome das paixões, esta se figura em métodos e atitudes que logo são descobertos para suprir toda e qualquer necessidade. E nossa caminhada persistiu, nada mais nos amedrontaria, esperava tempo e mais tempos para dialogar com meu mestre, a cada dia procurava novas concepções para que fossem acrescidas no processo de criação. E numa tarde inesperada recebemos sua ligação, e com aquela voz “báquica” inconfundível, nos dando a notícia da nossa aprovação pelo projeto Jovem Artistas do MEC (Ministério da Educação). Criamos e criamos com vontade e prazer incalculável, tomamos forma e corpo de um grupo autêntico e comprometido com a pesquisa, publicamos, viajamos, conhecemos o mundo além dos muros da universidade, percebi aos poucos que havia apurado em mim mais um sentido, o paladar psíquico, eu sentia o gosto de fazer teatro.
Caminhamos rumo à grande hora, passara-se tanto tempo que mal dava para acreditar que estávamos a alguns dias da apresentação final, para concluir ultima etapa do projeto o palco escolhido foi a Universidade; lugar este onde tudo começou e que passara a ser nossa segunda casa, de domingo a domingo e feriados. Experimentamos espaços, planejamos detalhadamente sobre cada seqüência, confeccionamos os figurinos e armamos a imensa vela que caracterizaria sobre a grande rampa de acesso, a jornada que enfrentariam por ali o imperador, transformamos aquele lugar na maior ópera a céu aberto que já existiu na história do maranhão, onde cenas simultâneas levavam o publico ao estágio psíquico de cada personagem, do Anjo do desespero, a Ana do Maranhão, o anjo da História testemunhando as catástrofes do novo mundo, numa verdadeira alegoria das situações de causa e conseqüência das razões humanas.
Estiveram ali no encontro das mais diversas artes, rock, paisagens ambientais, cenografia, pirofagia, tambores, música... O imperador Jones conseguiu ao longo de sua trajetória reunir numa obra de arte total o longo trajeto que perpetuou por entre idealização de Richard Wagner ao enredo tão bem elaborado de O´neil, sob a encenação memorável de Luíz Pazzine. Passado algum tempo, meu vício por imagens não cessava por aí, e adentrei à imensa jornada dentro do projeto Ação Cultural em Teatro, e por longos sábados saíamos juntos capturando reações anônimas e muito significativas.
Juntos, o professor Arão Paranaguá e eu, na companhia de Lenine sobre a Ponte de concreto, sem dúvida uma leitura instigante de uma obra significativa para a cidade de Brasília e ao mundo, a imagem precisaria ser capturada de forma que não se fragmentasse no tempo e na memória, a imagem precisaria ser resgatada e guardada para as futuras gerações e história do tão sonhado curso de licenciatura em teatro.
A trajetória rumo ao processo do Jantar para Alice, partiu de inúmeras observações e leituras no que se diz respeito ao excitamento do individuo ao ter a imagem como leitura de mundo. A primeira busca surgiu no projeto de extensão “Meu Lar de imagens” que teve como pólo a casa de estudante feminina pertencente à Universidade Federal do maranhão, LURAGB (Lar Universitário Rosa Maria Gomes Bogéia). Contabilizando um total de 40 horas, instigamos e sensibilizamos as moradoras daquele lugar a percorrer por um estágio gradual diante das narrativas de suas histórias, em fotografias, cartas, boletos bancários, recortes de jornal, objetos que fizeram grande parte de sua vida, e acima de tudo a narrativa. Meninas que por ali viviam, mas não tinham o mínimo conhecimento das variadas formas e situações que constituíam as demais companheiras de residência, diante do corre-corre do cotidiano, as obrigações para com a universidade e a vida, adquiriu depoimentos de pessoas que nunca tiveram oportunidade de trocar palavras; pessoas que aprenderam a ver o que até então era um defeito na próxima, como uma personalidade formada, um ser dotado de histórias e sentimentos que poderiam ser compreendidos com uma breve observação e uma apurada leitura daquelas inúmeras histórias que compunham parte daquele projeto. Em seguida partimos para uma segunda etapa, visto que o primeiro contato com imagens havia sido aceito. Partimos para a comunidade de Rosário, interior do Estado, com o mesmo propósito. Agora se chamaria “Lugares, imagens, poesia e performance”, este um subprojeto do projeto Ação Cultural em Teatro, em parceria com a Secretaria de Educação e o Ponto de Cultura da cidade de Rosário. Trabalho este que resultou em uma mega intervenção de linguagens naquela cidade; trabalhos e oficinas ministrados em praças, associações e nas ruas da cidade, que deixou saudades e uma centelha de que sob qualquer atmosfera se pode respirar teatro.
Liguei estes processos também aos meus experimentos em sala de aula, nas disciplinas de estágio supervisionado III, na escola Maria Aragão no bairro da cidade operária, ministrado pela professora Ana Socorro*. Dessa forma presenciei a grande dificuldade que os estagiários de teatro encontram quando partem para sala de aula, que sempre se apresentam super lotadas, com um grau mínimo de condições estruturais e acima de tudo o grande temor de todos: a polivalência. Ciente disso tinha que, de qualquer forma, exercitar isso em meus planos de aula, ainda em caráter experimental, mas na grande expectativa de que o teatro teria suas funções construtivas em sala de aula. Se a dificuldade eram as notas ruins do educando e o péssimo rendimento nas provas a minha obrigação diante desses casos em que muitos não detinham experiência de teatro em suas vidas, em um meio de pensamentos diferentes, cores diferentes, linguagens diferentes. Muitos professores, vencidos pelo cansaço de sala de aula, pensariam que minha chegada seria excepcionalmente o intervalo em meio às aulas, ou terapia para acalmar os educandos, fomos muito mais além; apresentei-lhes “A vida de Galileu” de Bertolt Brecht, onde juntos perpassamos pela história geral, astronomia, artes, renascimento e ciências. Quando Galileu apresenta à Andrea com tamanha precisão o astrolábio, ele descreve a paisagem que a dois mil anos atrás do seu tempo os seres viventes da terra estariam estáticos em meio mundo; Galileu precisou da palavra para que pudesse desenhar utilizando o forma imaginária cada ser que povoava o mundo nesse período de tempo que se seguia, o que na semiologia chamaríamos de ícone ele chamava naquele instante de astrolábio. Entretanto, podemos levar em conta neste caso à transversalidade que a linguagem do teatro pode exercer em sala de aula onde, neste caso, culminou em rico um rico processo construtivo de aprendizado, levando em consideração as propostas descritas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997)
A proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e atuar conscientemente na educação de valores e atitudes em todas as áreas, garantindo que a perspectiva político-social se expresse no direcionamento do trabalho pedagógico; influencia a definição de objetos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas mais gerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo as orientações didáticas.
Por conseguinte, senti-me instigado em ir além, com a adaptação da obra Alice no País das Maravilhas, onde variados temas e situações históricas que poderiam está inseridos no processo de pesquisa como a presença da rainha Vitória do Reino Unido, importante personalidade da época em que o livro fora escrito partindo desse pressuposto os educandos irão associar a rainha Vitória do Reino Unido às evoluções culturais, morais e políticas vividos no mundo durante sua era, ultrapassando as paredes da sala de aula, com a visão além da fronteira do conhecimento. Incentivando a buscar a mesma sensação em meus trabalhos futuros, aprendi pesquisar, a ler, perceber as imagens, a sentir as mesmas quando me provocavam e instigavam-me a ser um encenador. E fora exatamente esta a minha escolha levando-me rumo ao maior desafio de toda minha vida: defender em minha montagem de conclusão de curso um projeto de espetáculo que me fizesse sentir as mesmas sensações de respeito, determinação e disciplina diante do fazer artístico, diante dessa fome universal de fazer teatro.
3 UM COMPROMISSO ÉTICO, ESTÉTICO E POLÍTICO
Nesta etapa, irei enfatizar os conceitos chave que foram adotados por mim para a evolução fundamental no processo de pesquisa do espetáculo Um Jantar para Alice, a etapa que forma o ponto central que resultará no cerne na parte mais íntima e fundamental do caráter deste trabalho como numa cadeia genética que ficará encarregada de doar as características fundamentais deste indivíduo que se forma num processo longo, em cada célula, cada articulação e em cada músculo, visto que o trabalho do encenador neste ponto jamais conseguirá procriar-se sozinho, tanto ele quanto a ordem das coisas de natureza par, dependerá de pessoas, de seres humanos e de indivíduos e acima de tudo, um comprometimento Ético, Estético, e político.
Ética, do latim ethica, e do grego ethiké, substantivo feminino onde compõe o estudo dos juízos de apreciação referentes a conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto .O que Stanislavski (2001) enfatiza em seu livro a construção da personagem, esta ética disciplina e também de senso de empreendimento conjunto em nosso trabalho no teatro. Com a idéia pré-concebida, procurei por pessoas nesse caso dispostas a exercer o seu papel escolhido neste compromisso único no ofício da arte de atuar; onde no que diz respeito a este trabalho, o que nos alimentaria era a vontade própria e a boa conduta, enquanto muitos esperam exercer essas vontades primordiais, movidas a papel moeda, sem atentar-se que na arte de fazer teatro existe algo que favorece muito mais que um bom cachê: o compromisso valoroso com a arte de atuar, de fazer idéias rabiscadas tornarem vida e deixar sua marca na história do teatro num estado e numa cidade de memória politicamente afetada.
E se ficarmos espantados por momentos, não se deve perder de vista que nossa alma é muitas vezes, aos nossos pobres olhos, uma potência muito louca, e que existem no homem regiões mais fecundas, mais profundas e mais interessantes que as da razão ou da inteligência (MAETERLINCK, 1986 apud BORIE; ROUGEMONT; SCHERER 1996).
O ator político é esperto e astuto, ciente de suas leis e deveres para com o teatro e a sociedade que constitui; sabe de suas regras e impõe seus limites em prol de um bem comum, ou seja, é conhecedor de cada estatuto que rege o seu mandato durante o período que fora escolhido para exercer o seu papel nos palcos. Podemos nos reportar aos anos entre 389 e 370 a.C, conforme nos mostra Borie; Rougemont; Scherer (1996) onde em uma passagem da república de Platão encontramos Adimanto, o irmão secundogênito de Platão, como interlocutor de Sócrates. Estabeleceu-se então que naquela cidade, na qual se encontravam, precisaria de guardiões, isto é, de uma elite guerreira, astuta e administrativa. Então obreveio a eles o seguinte questionamento: qual seria a formação primordial desses guardiões, as artes imitativas teriam aí nesse processo o seu lugar? E o primeiro questionamento de todos: qual seria a natureza da arte que haveria de educar estes guardiões? Depois que dispuseram os mais variados motivos uma vez que buscou um perfil adequado dos guardiões que pudessem guardar a cidade, eis parte do diálogo:
_Não é por esse motivo que só numa cidade assim encontraremos um sapateiro que é sapateiro, e não piloto, além da arte de talhar calçado, e um lavrador e não juiz, além da agricultura, e um guerreiro, guerreiro e não comerciante, além da arte militar e assim por diante?
_De fato - respondeu ele.
_Se chegasse a nossa cidade um homem aparentemente capaz, devido a sua arte, de tomar todas as formas e imitar todas as coisas, ansioso para exibir juntamente com os seus poemas, prosternava-nos diante dele, como se de um ser sagrado, maravilhoso, encantador, mas dir-lhe-íamos que nossa cidade não há homens dessa espécie, nem se quer é lícito que existam, e mandaríamos embora para outra cidade, depois de lhe termos derramado mirra sobre a cabeça e de termos o coroado com grinaldas. Mas, para nós, ficaríamos com um poeta e um narrador de histórias mais austero e menos aprazível, tendo em conta a sua utilidade, a fim de que ele imite para nós a fala do homem de bem e se exprima segundo aqueles modelos que de início regulamos, quando tentávamos educar os militares. (PLATÃO, 1932 apud BORIE; ROUGEMONT; SCHERER, 1996, p. 18).
Precisaríamos ater-se a missão que fora pensada para este trabalho, onde cada um iria assumir seu compromisso com o processo desde que lhe fora adquirido de antemão a sua verdadeira função dentro do universo teatral, de fato, jamais poderia ser outra pessoa que não fosse ele mesmo, ou aceitar algum outro compromisso que lhe fora ofertado em segundo plano, tendo que assumir para si um compromisso disciplinar. A operação teatral de fazer ouro, pela imensidade dos conflitos que provoca, pelo numero prodigioso de forças que atira uma contra a outra e que ela comove, por esse apelo a uma espécie de pregueado essencial a extravasar de conseqüência e sobrecarregado de espiritualidade, evoca finalmente, ao espírito, uma pureza absoluta e abstrata, após a qual não há mais nada, que se poderia conceber como uma nota única, uma espécie de nota limite, apanhada em vôo em que seria como a parte orgânica de uma vibração indescritível. (ARTAUD, 1938 apud BORIE; ROUGEMONT; SCHERER, 1996)
Contudo, decidi nortear a pesquisa em tópicos que fossem primordiais durante o processo de montagem e de criação, digo, à aparência estética, a forma pela qual cada autor, cada tendência, cada merecida vanguarda tivessem sua vez no bojo da evolução das cenas, de modo que não fosse privilegiadas, exclusivamente, tendências de teatro recém descobertas ou até mesmo recém exploradas, visto que o grande marco da trajetória do teatro, com o passar dos tempos e das civilizações fora o seu caráter homogêneo cujas partes estão estreitamente ligadas uma a outra, o que teria haver uma tragédia grega encenada apor volta de (.405a.C) com o drama moderno de John Gabriel Borkman, que esboça silenciosamente um plano para seu regresso a sociedade, escrita pelo norueguês Ibsen? É que ambas estariam separadas somente pela linha do tempo e de suas épocas, mas por mais distante que fosse a lacuna que pudesse separar uma das outras, estariam estritamente ligadas na sua forma de drama épico, onde a tragédia grega fora fundada, objetivando a formação política dos seus conterrâneos. Começavam sempre pelo fim onde o herói trágico narraria o fato acontecido num curto intervalo de tempo entre sol e lua, como se uma vida inteira fosse resumida num prazo de 24 horas, e o drama moderno buscaria nesse contexto as narrativas de suas ações que já aconteceram em um determinado tempo em corpos de personagens presos ao passado e em suas memórias. Todavia, na origem e na prática dos trágicos era a mesma que a dos poetas épicos (ARISTÓTELES, 330 a.C apud BORIE; ROUGEMONT; SCHERER, 1996).
Um Jantar para Alice, busca a identidade de uma mulher presa as narrativas do seu passado, trancafiado nos corredores, camarins, nas luzes apagadas de um teatro que fora vendido por ocasiões de puro crescimento desordenado das políticas de consumismo anti-cultural e massificante, devoradora de causas estéticas obrigando a se tornarem apenas uma função invalida a mais na vida dos profissionais no ramo da arte. Não tão diferente hoje em nosso estado.
4 UM JANTAR PARA ALICE: a pesquisa como processo de trabalho
Tendo em vista o desafio de compor uma adaptação livre de uma obra mundialmente conhecida, montada nos palcos com diversas facetas procurei apossar-me de alguns métodos de pesquisas que nos últimos tempos tive contato. Métodos estes que caracterizam cada vez mais a visão quantitativa de rendimento de diversos grupos no Brasil, no que diz respeito à composição dramatúrgica, cenográfica, técnica e de laboratórios de criação. Definindo esta proposta adotada por mim como um processo de trabalho e não como um método, pois um método propriamente dito pressupõe um processo definitivo ou teorizado que se pode repetir, ou seja, não poderia eu adotar uma proposta definitiva no processo de trabalho de Um jantar para Alice, pois há processos de pesquisa de um modo geral que ao fazer parte do mecanismo de trabalho do grupo começam a definir sua significação, ficando estes submersos em um método vazio e de pouco sentido, visto que os mais variados temas a serem abordados por este grupo jamais conseguirá desdobrar a sua lógica própria.
O primeiro passa a ser tomado foi a tentativa de elaborar o tema, partindo este das variadas leituras do clássico Alice no país das maravilhas, pois o tema é a substância do conteúdo. Este tópico surge a partir das variadas leituras que norteiam o autor e sua obra, por mais que este tema no início seja sempre vago; ou às vezes obscuro para ser explorado e seus passos possam ainda apresentar-se sem norte. Por exemplo, para que eu pudesse definir o tema de Um jantar para Alice, comecei a ler com base nas hipóteses gerais do que levaria Lewis Carroll (2007) a escrever Alice nos país das Maravilhas, como a sua época, algo sobre a Revolução Industrial, a Era Vitoriana, que causaria grandes mudanças no ramo das artes, política, literatura, no mundo... Na medida em que a obra (o clássico Alice no país das maravilhas) mostrou-se cada vez mais disposto a ser explorado. Tive a liberdade de fazer a separação do que me seria útil dos assuntos que poderiam passar despercebido; ou estas ficarem para outro momento, daí o tema foi se apresentando de forma mais nítida, visto que todas as grandes revoluções cruzaram a linha do tempo e tornaram-se memória. Por que não colocar algo no enredo que fosse por demasiado efêmero cotidianamente? Logo avistei a vida dos artistas de teatro em nosso tempo, assim o tema se definiria ainda mais girando em torno da vida de Ela diante da fragilidade de uma arte que nasce com destino certo de começo, meio e fim. Como diria Peter Brook, que o teatro é o único lugar onde o movimento pode ser executado somente uma única vez, jamais podendo ser o mesmo em qualquer parte do mundo.
Entretanto, elaborado o tema, segui em busca das explicações para este tema de forma que os argumentos fossem organizados e esclarecidos, pois estes seriam a forma pelo qual o tema se apresentaria durante o processo. Inseri em meu método algo semelhante ao grupo de pesquisa La Candelaria grupo colombiano dirigido por Santiago Garcia, onde o tema e os argumentos em seus métodos de pesquisa apresentam-se sob duas formas distintas: linhas temáticas e linhas argumentadas.
A linha argumentada apresentará durante o processo os diferentes caminhos que possibilita abordar o tema, no entanto, são as luzes, que no decorrer do processo, vão clareando e tornando visíveis as diversas facetas do tema escolhido. Em Um jantar para Alice, é possível estabelecer três temáticas que poderiam se desenvolver durante o processo: perda, loucura e sonho. As linhas argumentais vão surgindo para tornar evidente o argumento escolhido, por exemplo, no plano da perda temos: a) a venda do teatro; b) a estrela em crise; c) o começo do fim; no plano da loucura temos: a) a crise de identidade; b) o transtorno dissociativo; c) o rito de passagem; no plano dos sonhos temos: a) o país das maravilhas ; b) o movimento bolchevique – a revolução socialista –; c) a era vitoriana. As linhas temáticas supracitadas em fusão com as linhas argumentais, juntamente com seus personagens fundamentais vão dando forma a estrutura crucial e definitiva ao tema e a dramaturgia do espetáculo.
Escolhido o tema, segui para o plano base de construção dramatúrgica e de ações para cada personagem, elaborando uma árvore histórica dos personagens que percorreriam os tempos estabelecidos pelas linhas argumentais. Levando em consideração a inserção de quadros em letimotive, no interior de cada ato representado, onde todo cuidado seria imprescindível para que não destoasse a idéia primordial que parte dos intertextos ou das imagens deslocadas em quadros, na qual a concepção do espectador seja instigada a elaborar a sua leitura própria dos temas sobrepostos.
[...] Como a linguagem de tudo o que se pode dizer ou significar sobre uma cena independente da palavra, de tudo o que encontra a sua expressão no espaço, ou que Pode ser atingido ou desagregado por ele. Esta linguagem da encenação considerada como linguagem teatral pura, trata-se de saber se é capaz de atingir o mesmo objeto interior que a palavra, se do ponto de vista teatralmente pode aspirar à mesma eficácia intelectual que a linguagem articulada. Noutros termos, podemos perguntar-nos se ela pode não particularizar os pensamentos, mas fazer pensar, se pode levar o espírito a tomar atitudes profundas e eficazes do seu próprio ponto de vista. (ARTAUD, 1938 apud BORIE; ROUGEMONT; SCHERER, 1996)
Dado a escolha e a forma do percurso do espetáculo, levando em consideração o método norteador da pesquisa restou-me esclarecer algo a respeito dos personagens escolhidos para compor o corpo dramatúrgico do trabalho, partindo de sua adaptação até o instante final, e por fim, a sua apresentação ao público. Ao todo, advindo do processo de captação útil para esta etapa do processo, surgiram 11 personagens distintos: Ela, a estrela decadente; Alice 1 e Alice 2, que neste caso a imagem duplicada tem o poder de criar uma ilusão parcial sem ser uma replica perfeita, exata de um objeto, sem obrigatoriamente tornar-se um duplo, desse ser retratado, deste modo não há um modo perfeito no mundo psíquico, por exemplo, a fotografia de um quadro não pode ser confundida com o mesmo, nem a pintura com a realidade, trata-se então no caso das Alice´s duplicadas não de criar uma personagem idêntica a outra, mas a imagem que duplique a aparência da outra assim como seus sentidos; a lagarta azul, em seu processo de metamorfose; o coelho e o gato, ambos advindos de etapas variadas da vida de Alice e da estrela nos palcos; a Dama e o Valete, sempre presentes e testemunhando os fatos , fiéis as falcatruas da rainha, a rainha de copas que julga a verdadeira função do ator nos dias de hoje. No plano onírico temos a rainha Vitória do Reino Unido, sua filha princesa Alice de Hesse e o soldado bolchevique. Cada um com forte cunho psicológico devido ao próprio caráter funcional e simbólico que Lewis Carrol deu a cada um, ao compor a obra. Quanto aos personagens da fase onírica temos três personagens funcionais que ligam o enredo e suas sequências, estes trazem consigo as características lógicas de suas épocas e o período de revolução.
O enredo se passa uma noite após o dado veredicto, onde a mesma surta após adentrar o seu apartamento e encontram-se frente a frente com os seus antigos personagens de trabalho, seus costumes, morais políticos e sociais. Alice, figurada esta em seu subconsciente, assim como os mais variados elementos e personagens que até então estavam presente somente nos palcos e na fábula, tal situação abordada por Freud em seus estudos sobre psicanálise que sempre achou que existia certo conflito entre os impulsos humanos e as regras que regem a sociedade. Muitas vezes, impulsos irracionais determinam nossos pensamentos, ações e até mesmo os sonhos. Estes impulsos são capazes de trazer à tona necessidades básicas do ser humano que foram reprimidas. Freud vai mostrar que essas necessidades vêm à tona disfarçadas de várias maneiras, e por vezes não temos consciência desses desejos, de tão reprimidos que estão e em alguns casos esses desejos se convertem em imagens e revela-se durante o instante que sonhamos.
A personagem de Lewis Caroll para alguns psicólogos, não tem nada de infantil. Seu universo fabular é alcançado graças a um transtorno dissociativo de identidade, originalmente conhecido como transtorno de múltiplas personalidades, é uma condição mental onde um único indivíduo apresenta características de duas ou várias personalidades, ou até mesmo identidades muito distintas, cada uma com sua própria maneira de interagir a perceber a sociedade que vive. A priori pelo menos duas identidades podem se revelar no indivíduo, mecanismo este que se manifesta diante de dada situação como forma de contorná-la.
A alma das minhas personagens (seu caráter) é um conglomerado de civilizações passadas e atuais, de pedaços de livros e de jornais, de pedaços de homens, de fatiotas de domingo tornados farrapos, tal como a alma é uma colagem de peças de todos os tipos e também mostrei como todos os meus caracteres se formaram , deixando o que é fraco, roubar as palavras ao mais forte e repeti-las deixando o espírito roubar as idéias, as sugestões como se diz uns dos outros. (ASTRINDBERG, 1888 apud BORIE; ROUGEMONT; SCHERER, 1996).
5 NA BUSCA DOS FIOS CONDUTORES
A Era Vitoriana do Reino Unido é considerada o auge da Revolução Industrial inglesa e do Império Britânico. Período que marca o legado de 63 anos da Rainha Vitória no poder em meados do século XIX, especificamente de junho de 1837 a janeiro de 1901, conceituado por alguns historiadores como o período de Pax Britannica, marcado pelo expansionismo do Império Britânico e a consolidação da Revolução Industrial na Europa. (AUTOR, ANO)
Período de grande prestígio e repercussão cultural que floresce com os primeiros anos da Belle Époque, ocorrido principalmente na Europa Continental. Os cafés-concertos, as operetas, o teatro e os boulevards, exatamente nessa época, por volta de 1810, que alguns escritores ingleses demonstram seu particular interesse em adotar os métodos e ideais simbolistas franceses; enquanto isso, no drama Oscar Wilde desponta com seu espírito de humor, assim como as controvérsias sobre as peças do Norueguês Henrik Ibsen que presencia o crescimento do proletariado e os movimentos organizados da ordem capitalista vigente. Representando tal fato em sua dramaturgia nos palcos de Londres juntamente com James Joyce, Bernard Shaw e Lewis Caroll. (AUTOR, ANO)
A Era Vitoriana também é marcada pelo apogeu da fotografia. A imagem ganha seu verdadeiro espaço, onde os nobres expõem seus refinamentos estáticos a uma sociedade mista de riqueza, glamour e miséria; e nas artes visuais a impressão, nascer do sol dá vida a um movimento histórico inspirado na obra de Claude Monet, o impressionismo. É nesse ponto que Lewis se destaca como exímio fotógrafo-retratista de sua época, unindo à arte de capturar imagens à literatura. Escreve Alice no país das maravilhas, obra resultante de um descritivo e imagético passeio pelo rio com as pequenas irmãs Liddel, de onde resulta a descrição de sua época em seus personagens animados e repletos de simbolismos, de sua política e seus costumes, alguns ocultos daquela sociedade repleta de pudores.
Na busca pelos fios condutores, decidi trafegar por entre as vertentes artísticas de vanguarda que fizeram valer o caráter da expressão, de modo que passei a observar os níveis de transações das expressões relacionadas aos trabalhos de seus autores. Solidificando a pesquisa entre os seguintes movimentos: o Simbolismo, o Impressionismo, Expressionismo e a Pop Arte.
O Simbolismo surgiu no ano de 1881, na França. Advindo do contato com o misticismo e religiões orientais, terá sua maior repercussão por volta de 1886. Os artistas desse seguimento procuraram o “eu” na busca pelo inconsciente e o sonho, características que podem ser observadas com precisão nas obras de autores como Maeterlinck e o norueguês Ibsen. Levando aos palcos não personagens propriamente ditos, mas alegorias que representam seus sentimentos mais íntimos, em trabalhos que no palco dão mais ênfase as dimensões dos cenários, luz e no próprio ambiente.
Se abrirmos espaço para as questões que se referem à expressão, teremos como referência todas as que iniciaram no começo do século XX. Pois a imagem expressiva é a que revela fortemente o seu autor de uma forma mais intensa, destacam-se entre esses movimentos os surgiram na fase inicial do novo século, ou seja, o expressionismo se apresenta trazendo em suas características fundamentais a projeção de uma reflexão subjetiva como as imagens de pessoas em estado de solidão ou até mesmo sofredoras (AUMONT, 1993). Mas o objetivo maior é captar o estado mental. Característica forte desses personagens deformados, na qual sua figura se desconstrói para representar o sentimento e a arte do instinto humano diante das catástrofes do novo século.
Adorno e Horkheimer, no início dos anos 20, cunharam o termo “indústria cultural” para expressar o comércio do mundo, fenômeno típico e essencial das criações do espírito. Anos mais tarde, nos meados da década de 60, os artistas de vanguarda defendiam uma arte moderna e irreal que se comunicasse diretamente com o público por meio de signos retirados do imaginário, o que separa a vida cotidiana da cultura de massa. E nessa defesa do popular elabora-se uma vertente artística antagônico ao tradicionalismo imposto pela arte moderna. Surge a Pop Art na Inglaterra fundado por um grupo de artistas intitulados independent goup, que tinha principal inquietação saber até que ponto a arte poderia ser considerada arte; questionamento este levantado pelos eruditos daquela época. Tanto que chegaram à conclusão que poderia existir arte comercial e que mesmo com este caráter, não deixaria de ser arte. Com seu objetivo de tecer críticas irônicas e o bombardeamento da então sociedade capitalista, pelos objetos de consumo da época, operando com signos estéticos e cores inusitadas, tanto pela publicidade quanto pelo consumo, fabricando produtos com cores intensas, e vibrantes reproduzindo objetos do cotidiano em tamanhos extragrande. Esse movimento, embora não havendo aceitação total, entra na cena artística como um dos movimentos que recusa a separação arte e vida. O que a fez ser inserida nessa trajetória: as histórias em quadrinho, a publicidade, as imagens televisivas e o cinema.
Dentro desse bojo de artistas de vanguardas destaca-se neste processo de pesquisa, no qual está ligada a produção e divulgação do espetáculo, o artista pop , nascido em Nova Iorque Roy Fox Liechestenstein que em 27 de outubro de 1923 e que faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1997. Sua obra procurou valorizar os clichês retratados nas histórias em quadrinhos como forma de arte, colocando-se dentro desse movimento que tenta criticar a cultura de massa. Nos seus quadros, muito afeitos a óleo e tinta acrílica ampliaram as características dos desenhos e dos anúncios comerciais, reproduzindo a mão os procedimentos gráficos. Foi o percussor da técnica do pontilhado das histórias em quadrinho na qual produzia, com cores vibrantes, planas e limitadas, delineadas por fortes traços negros que contribuíam para um forte impacto visual.
6 COMO LER UM JANTAR APARA ALICE
Desde os primórdios, a linguagem tem suas funções na comunicação entre os povos, assim como a linguagem teatral que traz consigo de fato uma série de outras linguagens particulares como a gestual, a cenográfica, a iluminação e o figurino. De modo que tudo poderá apresentar-se numa confusão de sentidos, visto que o teatro traz consigo uma mistura de variadas artes, como as artes plásticas, visuais e a música. E mesmo com todas estas variações o teatro apresenta seu próprio sistema de identificação, e esse conjunto é estudado a fundo pela semiologia.
Desde a pré-história o homem produz imagens em várias partes do mundo. No entanto, existem para a humanidade inteira esquemas particulares de representação ligada às experiências comuns de todos os homens; onde, em alguns casos, ainda causam certo desentendimento em dois detalhes simples, a percepção e a interpretação. O fato de reconhecermos alguns detalhes em certas imagens, nem sempre significa que essa mensagem esteja exata e alguns podem trazer consigo caráter bem particular, como nos hieróglifos egípcios, por exemplo.
É esse aprendizado e não a leitura da imagem, que é feito de maneira “Natural” na nossa cultura, na qual a representação pela imagem figurativa tem tanta importância. Desde muito pequenos aprendemos a ler imagens ao mesmo tempo em que aprendemos a falar. Muitas vezes as próprias imagens servem de aprendizado para o aprendizado da linguagem [...] (JOLIE, 1996, p. 43)
Diante das inúmeras teorias que poderiam exemplificar o conceito de imagem como a psicologia, a estética, retórica, e na sociologia, toma-se então como base para a pesquisa a teoria da semiótica. (GUINSBURG NETO, J; CARDOSO, Teixeira Coelho; CHAVES, ) Levando em consideração a imagem enquanto ângulo de significação e não por simples prazer estético. Procurando buscar e considerar as imagens analisadas enquanto modo de produção de sentidos, ou seja, a forma como essas imagens se apresentarão diante do público, entretanto, as variadas maneiras que estimulem significações. Como Martine Jolie apresenta em seu livro Introdução a análise da imagem, onde o signo só é “signo” se exprimir idéias e se provocar na mente daquele ou daqueles uma atitude interpretativa.
Entretanto, mesmo se a imagem for apenas visual, podemos centrar a pesquisa enveredando pelo estudo das mensagens visuais, como ressalta Roland Barthes, que a imagem tornou-se sinônimo de “representação visual”, percorrendo pelos questionamentos: como os sentidos chegam a determinadas imagens? As linguagens visuais utilizam uma linguagem específica? Se utilizarem, que linguagem é essa, de que unidade é constituída e em que ela se diferencia da linguagem verbal? Barthes partindo desses questionamentos demonstra que esses estudos são precisamente para lembrar alguns de seus princípios essenciais de funcionamento.
O ponto em comum entre as significações diferentes da palavra ”imagem” imagens visuais , imagens mentais, imagens virtuais) parece ser antes de mais nada, o da analogia. Material ou imaterial, visual ou não, natural ou fabricada, uma “imagem” é antes de mais nada algo que se assemelha a outra coisa. (JOLIE, 1996, p. 38).
O objeto de interesse de Um jantar para Alice será exatamente a não obrigatoriedade de o espectador adentrar a obra, mesmo com uma quantidade significativa de signos postos em cena, nos mais variados quadros que se desdobram diante do público. Fomentando assim, uma leitura transversal do espetáculo onde o próprio não penetra essencialmente na fábula, mesmo testemunhando o desvelar da situação o espectador é instigado a retirar as suas próprias conclusões da cena, partindo dos elementos que lhe desperta interesse. Neste capítulo, sobre como ver o espetáculo e como lê-lo, estão inseridos os pontos distintos de interesse para essas leituras e nos seus sentidos; estes que em nossa capacidade humana podem ser vistos de formas variadas, é possível vê-los num objeto, ouvi-los numa música, ou senti-los nas essências.
Os signos capturados neste trabalho foram os mais diversos, cada qual ligado a sua significante, vê-se, no entanto, que todo material apresentado pode ser signo a partir do momento que se retira dele um sentido ou uma significação, dependendo da forma como foi instruído a apreciá-lo. Venon ([199?] apud JOLIE, 1996, p.33) em suas escritas sobre signo, aponta para o seguinte fato “Um objeto real não é um signo do que é, mas pode ser signo de outra coisa”. Já para Charles Peirce o signo é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém em relação ou alguma qualidade.
Após a leitura do clássico Alice no país das maravilhas e ter formulado o lugar de cada intertexto, parti para a coleta dos modelos de ação:
As gravuras de John Thenniel
Fotografias variadas da rainha Vitória do Reino Unido
A princesa Alice de Hesse
As gravuras de John Thenniel possuem fortes características da cultura londrina. E esse foi o mesmo autor das gravuras de Alice no país das maravilhas e sua seqüência Alice no país dos espelhos; quanto a fotografia da rainha Vitória, escolhi a que estava sentada e vestida no auge do seu jubileu devido à imensa leitura gestual, emotiva e significativa que se passa naquela imagem, e de sua importância para o mundo naquele instante.
Os exemplos dessas imagens podem ser ainda mais favoráveis quando se tem um domínio sobre elas, e torna-se mais fácil quando se tem o domínio sobre seus diferentes tipos de signos, como nos métodos utilizados por Jolie em suas leituras de imagens:
(Significante) Uma fotografia da rainha vitória;
(Referente) Pode significar de acordo com o contexto em que se encontra, vestida com grande esplendor;
(Significado) se naquele momento ela se encontra alegre ou triste;
Embora estes signos pudessem ser intermináveis e variados, todos poderiam, segundo Peirce, possuir uma estrutura que permeasse entre essas variantes, no caso o significante, o referente e o significado. Vale lembrar também que o próprio Peirce defende um processo simples dentro dessas etapas de significação que em todo caso torna-se útil para compreender o funcionamento da imagem como signo, revelam-se então os tipos de relações que estes signos terão com o significante e o referente, não o significado, vejamos então:
a) o ícone: corresponde às relações de analogia com o significante, por exemplo, uma fotografia que representa um carro e uma bicicleta, na medida em que realmente pareçam com um carro e uma bicicleta, no entanto, nem sempre essas analogias se apresentam de forma visual, como a gravação de aplausos, buzina de carro, é considerada também como ícone.
b) o índice: corresponde a classe dos signos que mantém uma relação casual de contigüidade física com o que representa, é caso dos signos naturais, como a fumaça para o fogo, as pegadas na areia e a nuvem para a chuva.
c) símbolo: corresponde a classe dos signos que mantém uma relação de convenção com eu referente. Ou seja, os signos clássicos como a bandeira de um país, a pomba para a paz.
Entretanto, será levado em quadros sucessivos um arcabouço de imagens que leve o público a exercer, mesmo que inconscientemente, essas ligações de forma simultânea como se milhares de informações trafegassem ao mesmo tempo no cérebro e no atrito dessas informações, novas sugestões de imagem surge como proposta para a leitura da cena. . (JOLIE, 1996, p. 33).
7 DA AÇÃO A ENCENAÇÃO
Para caracterizar exatamente os quadros do espetáculo, tive que partir num sentido inverso, algo como uma perícia num lugar repleto de cadáveres, todos à espera do sentido de que os levou ao óbito. Tive que deitar cada um sobre uma pedra de mármore e com um bisturi realizar cortes precisos, profundos e separando artéria por artéria, órgão por órgão, como se aquela vida, que já não existia, dependesse da minha astúcia e me desafiasse a descobrir a verdadeira causa. Ao todo, foram 11 corpos que estavam ali presentes no mesmo lugar, porém em tempo diferente. Eu precisava saber qual destino dar a cada um deles, pois muitos que estavam lá fora esperavam por respostas.
Entretanto, tive nas mãos o clássico Alice no país das maravilhas, precisei dissecá-lo sem deixar nada sobrando; e acrescentar a essas partes soltas o que cada intelectual pensava a respeito de tais ações esquizofrênicas e lunáticas daquele enredo, Freud disse-me que aquela garota sofria de um transtorno bipolar e nada tinha de infantil. Revelou-me também as causas e conseqüências do seu histerismo exacerbado, onde estes pacientes para desenvolver suas crises precisariam de uma existência emocional significativa, e de situações que apresente um grau elevado de stress, ansiedade e sofrimento, como demonstra “O sonho da bela açougueira” numa análise proposta por Lacan (1900) e explicada mais a frente por Freud.
Eu queria oferecer um jantar, mas não tinha nada em casa além de um pouco de salmão defumado. Quis sair pra fazer compras, mas lembrei-me que era domingo à tarde e quase todas as lojas estariam fechadas. Tentei telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone estava com defeito. Assim, tive que renunciar o meu desejo de oferecer um jantar. (PACIENTE apud LACAN ANO p.)
Este trecho é revelado em um determinado quadro do espetáculo quando a própria Alice questiona o gato de que forma poderá sair do país das maravilhas, ou seja, que forma deverá fazer para desprender-se de tais sensações e transpor de um plano ilusório para um plano real, satisfazendo os seus desejos. Minutos depois em que a própria entra em conflito consigo mesma materializada numa outra jovem, esta já superada dos ritos de passagem da infância para adolescência, mas com a libido transbordante, no qual no espetáculo vem simbolizado por um “sapatinho vermelho”, a mesma o calça e eleva-se um nível a mais do seu tamanho original, o nível da jovem “independente”.
As duas se reconhecem num duelo feroz e as diversas facetas das mesmas se digladiam e dialogam num discurso desconstruído, na tentativa frustrada de quem vai dominar o corpo.
Deve-se ressaltar também que, se a encenação escolhe o confronto entre os personagens como recurso de indicação visual do conflito, não usa o conflito como forma de estruturar a progressão da narrativa cênica. O que parece estar em jogo é justamente a contestação da idéia de conflito como mecanismo de estruturação do teatro. O que significa um abandono da idéia de drama enquanto sucessão de eventos, fatos ou discussão que montam uma questão, para desenvolvê-la ou encaminhá-la a uma resolução. (FERNANDES 1996, p 139).
De fato, Guilles Deleuse não estaria errado quando abordou em seu livro, que há sempre muita arte em um agrupamento de sintomas, em um quadro em que tais sintomas são dissociados um do outro ainda, e forma a nova figura de perturbação ou de doença. E neste trabalho optei pela variação e pelas multiplicidades dos mais variados contextos que me sugeriam cada lacuna a ser preenchida em vez de levar o espectador a um determinado foco imagético de um único enredo, fiz questão de que fosse dirigida a sua atenção a um caleidoscópio variado de interpretações
Dada as pesquisas, partimos para os laboratórios temáticos seguindo algumas propostas de encenadores que executam métodos de valorização do corpo e da performance em vez da simples idéia de interpretar, decorar textos, falas e ações o que escapa a liberdade do performer; ser o co-autor da sua disposição no palco, como no teatro de Robert Wilson.
Em vez de impor um modo de ver ou fazer, Wilson está interessado em desvendar o modo de o próprio performer ver ou fazer, de forma muito diferente das técnicas tradicionais de atuação. Em ultima instancia, ele está interessado em libertar a própria energia do performer, estimulando nele a descoberta de seus próprios ritmos. (GALIZIA, 1986 p. 75)
Robert Wilson adentrou no espaço de encenação, começando a dirigir seus trabalhos na Universidade do Texas, de natureza teatral, sob a orientação de uma senhora “desconhecida” chamada Sra. Byrd Hoffman. Uma bailarina que o ajudara a corrigir um defeito de linguagem durante sua infância. Nessa época, Wilson elaborava seus experimentos com crianças, e a senhora Byrd, inventara uma série de exercícios com o intuito de ativar células em crianças com lesões cerebrais; exercícios voltados para o desempenho dos primeiros estágios da atividade física, pois, achava ela em suas pesquisas, que se não dominarmos estes movimentos primários na infância, não dominaremos movimentos mais avançados no futuro.
O contato de Wilson com esse método elaborado pela senhora Byrd, estimulou seu interesse a partir daí por terapias com surdos, retardados, autistas, e deficientes. Apesar de seus muitos admiradores pelo mundo Robert Wilson há pouco tempo atrás ainda era desconhecido nos Estados Unidos. Em Nova Iorque teve a oportunidade de conhecer os trabalhos de Martha Grahan, freqüentando algumas de suas aulas como observador, teve contato com a dança-teatro de Alwin Nikolais, e a nova forma artística dos happenings. Já na Europa, onde seu teatro é aclamado por muitos, é reconhecido como gênio. Eugene Ionesco, para quem Wilson é tido como o maior dramaturgo da América, declarou certa vez que até o aparecimento de Wilson nada acontecera no teatro de Shakespeare. Fato este também registrado por uns dos grandes integrantes do movimento Dadaísta, Louis Aragon, após haver assistido uma apresentação de “O olhar do surdo” inspirou-se em escrever uma carta aberta ao falecido André Breton, dizendo que nunca havia visto algo de tão lindo desde que nascera. Mais a frente é relatado por Lehmann em seu livro o teatro pós-dramático, que somente em Robert Wilson os dadaístas conseguiram ver suas propostas sendo executadas com tamanha veracidade.
Entrar em contato com as propostas “wilsoniana” é entrar em contato com um arcabouço de assuntos dos mais diversos possíveis e imagináveis e às vezes complexos. Tão diverso quanto: câmara lenta, ondas cerebrais, cochilo, design arquitetônico, pintura, rock progressivo, matemática, terapia, silêncio, teatro ambiental, computadores, poesia concreta, espaços e galerias de arte, drogas, sexo, performances, comunicação entre surdos-mudos, dança moderna e pós-moderna, autismo, religiões orientais, filmes mudos e etc. Com base em tudo é possível um melhor entendimento do teatro atual e suas formas, atentando para os métodos adotados por ele. Uma das fortes características está na multiplicidade e no ecletismo de seus trabalhos, em outras palavras Robert Wilson alcança o que podemos chamar de obra de arte total.
Por volta de 1880, o teatro ainda está sob os sintomas de uma futura modificação, e exatamente neste momento chega-se a crise do drama, logo todas as atenções se voltam para o que seria realmente imprescindível e inquestionável para o drama: o diálogo surge sobrecarregado de tensões, decisões, o sujeito apresenta-se com um alto grau de interpessoalidade, e a ação estagna-se num presente absoluto. Neste ponto Peter Szondi destaca em seu livro Teoria do drama moderno, as tentativas de solução e salvação para este teatro.
Entretanto, advindo dessa nova crise, surgem novas formas de teatro que apresentam seu ponto de vista sobre a realidade de um modo distorcido, as peças- paisagens, de Gertrud Stain, a forma pura do teatro de Witkievwickz, o teatro da crueldade de Artaud, e somente com as peças paisagens de Stein que Robert Wilson vê a possibilidade de interagir com a poética do espaço. Mais a frente Meterlinck reforça essa proposta com seu “estudo dos caracteres” renunciando as tradicionais estruturas de tensão, drama, ação e, imitação, e desse pressuposto abandona-se o termo drama estático a favor da progressividade de um tempo-imagem ou de um espaço-tempo, ou seja, essa nova formulação enfatiza o rompimento entre teatro dramático e pós-dramático: aparição no lugar de desdobramento de ação e atuação em lugar de representação. É importante ressaltar que estes conceitos de forma pura e peça-paisagem trazem, em primeiro lugar, a peça com a lei de sua composição interna como mais a frente afirmará seus precursores como: Craig, Bertolt Brecht, Antonin Artaud, Meyehold, Gertrud Stein e Witkiewicz.
De maneira geral, o conceito de atuação, no contexto do teatro de Wilson, refere-se a qualquer atividade que aconteça no palco, em qualquer espaço de representação, independente de seu significado ou forma de expressão, não implica necessariamente a representação de uma personagem, de um texto, muitas vezes apresenta-se sobre forma de canto ou dança, pois, em suas peças isto ocorre exatamente por estar disponível no elenco em que executa o papel e não por cantores ou bailarinos profissionais. Visto que a palavra atuação é substituída por performance, pelo menos nesses casos a palavra atuação volta-se para a prática tradicional de interpretar um texto para o público, ao passo que performance é associada a certo ecletismo. Contudo a principal razão para a adoção da palavra performance para descrever alguns desenvolvimentos das artes teatrais não é o ecletismo que esta palavra implica, mas o fato de levar em conta o pessoal, as habilidades individuais do artista, e não sua capacidade de saber imitar alguém. O performer é qualquer artista incluindo escultores, pintores, arquitetos, compositores, que faça uso das expressões artísticas como meio de expressão, focando o trabalho de Wilson poderíamos dizer que seu teatro é um teatro de performers e não de atores.
Como Wilson está interessado na expressão particular de cada indivíduo, e no potencial artístico de cada ser humano, ou seja, as possibilidades do performer ao invés das possibilidades do ator, ele não impõe um modo de fazer ou ver. Ele está interessado em desvendar o modo do próprio performer, ver ou fazer de forma diferente das técnicas tradicionais de atuação, em última instância ele está interessado em explorar a propria energia do performer, estimulando nele a descoberta de seus próprios ritmos
É de notável importância a presença das imagens nos espetáculos de Robert Wilson, partindo esses de quadros, alegorias, hieróglifos, e descrições de paisagens. Por vezes essas se apresentam como paisagens sonoras, paisagens auditivas ou paisagens de palavras, no qual vários quadros apresentam uma mistura multicultural, etnológico, arqueológicos, novos tempos e espaços. As figuras pelo qual aborda são inúmeras diante das multiplicidades: estas sendo históricas religiosas ou literárias, convertendo o ser humano a verdadeiras esculturas gestuais, através de superposição de imagens.
O teatro de Wilson é um teatro de metamorfoses. Ele atrai o espectador para o mundo de sonho das transições, das ambigüidades, das correspondências: uma coluna de fumaça pode ser a imagem de um continente; uma árvore se torna uma coluna coríntia, e depois as colunas se transformam em chaminés de fábricas [...] (LEHMANN, 2007, p. 129)
Processo de superposição de imagens, mecanismo utilizado também por Gerald Thomas em suas pesquisas, tomando como base o posicionamento e o relacionamento das figuras no espaço, sendo elas responsáveis pela articulação e desdobramento do espetáculo, não visa uma estruturação e significados, onde caiba ao espectador a tarefa de traduzir os signos que presidem a lógica da evolução do espetáculo.
Diante das seqüências que desencadeiam a evolução do espetáculo, procurei buscar as características minuciosas de cenas de transição e justaposição, defendidas por Robert Shattuck, que aponta o século XIX e XX como a mola propulsora destes conceitos, ligados aos conceitos de fragmento e unidade que permeiam por entre os conceitos supracitados, entretanto, podemos nos deparar com o tão sonhado conceito de obra de arte total, ou seja, o conceito de unidade no teatro. Conceito este tão explorado por dois grandes gênios, Richard Wagner e Gordon Craig, que neste caso defendia a junção de todos os elementos artísticos dando ao teatro sua verdadeira autonomia. Somente por volta de 1850, Wagner avista a supremacia do drama onde todos estes elementos deveriam estar em perfeita harmonia, resultando em um gesantkunstwerk, “A obra de arte total” que predominaria de uma forma total sobre o drama, as artes visuais, a arquitetura e a música, sendo que estes conceitos interligados deveriam alcançar o auge da perfeição.
Gordon Craig, por volta de 1905, iria se opor a esta totalização das artes, pois acreditava que a mesma (o drama) estaria subordinada a elas, cabendo o papel de organizá-las a um único sujeito, o artista primordial, que caberia a ele a organização destes elementos que a compõem, na qual permeiam nas variações de ritmos, gestos, cenários e suas assências. Somente com o surgimento das teorias de Bertolt Brecht, que o teatro deixa de lado a busca pela harmonia e passa a ter uma idéia de confronto, pois se abandona a busca por um conceito dramático significativo e segue-se rumo ao embate de idéias, para que o próprio espectador busque diversificados meios reflexivos sobre os enunciados colocados em cena, objetivando através do distanciamento, um maior questionamento sobre os temas do cotidiano e o reconhecimento de ideologias. Porém se levarmos em consideração este caráter de confronto proposto por Brecht, após a situação de quebra da cena para que um ator se coloque como um ser comum ciente do fato pelo qual ele aborda explicando isso ao público e depois se retoma, ele mesmo de forma inconsciente retoma a totalidade da representação, onde a música, imagens, gestos estarão em perfeita totalidade.
Entre a década de 70 e os primeiros anos da década de 80, o teatro Norte-Americano segue por um caminho diferenciado rumo à abstração, em busca de uma arte que procura a fusão entre diferentes códigos artísticos, mas sempre convicto de sua verdadeira autonomia artística. Proposta semelhante à apresentada pelo teatro de Robert Wilson, onde a teatralidade é alcançada a partir da fusão de vários signos visuais, onde se apresenta textual, gradativa, sonora e imagética, colocando-se estes temas em confronto estabelece diante do espectador soluções diversificada de cenas.
Ao todo foram 22 os processos laboratórios para a obtenção de partituras para os variados quadros do texto divididos por etapas, tivemos processos de voz, corpo, gestos, imagens e paisagens de palavras no qual exercitamos as diversas etapas de narrativa de palavras soltas objetivando a construção de uma paisagem imaginária, para que cada personagem pudesse vivenciar trabalhos que ajudariam também nas adaptações que levariam ao roteiro definitivo. Este já com as inserções e intertextos de variados autores e também da estrutura definitiva dos quadros. Que percorrem pela seguinte seqüência definitiva:
Quadro I – A sala de Alice- Lugar onde a atriz encontra-se com a lebre de março, detalhe que marca a transição do plano real para o imaginário.
Quadro II- Uma carta para rainha Vitória- o encontro entre a rainha Vitória do Reino Unido e sua filha estimada, princesa Alice de Hesse, o assassinato por bolcheviques.
Quadro III- Curta teatro- Vídeobook a decadência da atriz.
Quadro IV- Le ville des aparttmonts- dialog cortejo das Alice´s , a luta, a dança.
Quadro V- A lagarta azul.
Quadro VI- O jubileu de ouro a coroação da rainha Vitória, e o julgamento de Alice.
Quadro VII- A página de relacionamentos, o começo do fim.
Do processo ao produto
Finalizado a etapa de escrita, pesquisa e formatação do espetáculo, partimos agora para a etapa, mais difícil e definitiva, que travaria mais a frente uma batalha contra os ponteiros do relógio, de certo que agora o trabalho ganharia um corpo, um formato, uma identidade e restava-lhe agora um único desejo: o desejo descomunal de existir. Elaborei com precisão e com a ajuda de Leônidas Portella, a descrição dos processos de produção e montagem. O tempo corria ainda mais, e pouco nos faltava para obter meios que pudessem custear Um Jantar para Alice. Projeto pronto. Consegui viabilizar um recurso que seria cedido como patrocínio por uma Secretaria do Governo anterior, o projeto teria alcançado seu êxito merecido diante da sua funcionalidade e do seu comprometimento com a pesquisa e a universidade. Dada a ordem de trabalho começamos a produzir com toda força, e ver diante dos nossos olhos cada ato, cada quadro, cada seqüência com vida, mas a cidade naquela época passava por mudanças, e que mudanças bruscas no plano de política, cultura e de desenvolvimento. O Estado passava por uma forte crise e nós estivemos com ele, a cidade que dormira na noite anterior com um passado, agora acordara com um presente diferente e sob uma nova gestão política.
Na tarde anterior recebi uma ligação, de que não havia mais como o recurso de apoio ao projeto Alice sair do papel, devido às tamanhas mudanças que ocorreram em nosso Estado. Tive que acatar a decisão e mudar de planos, “engavetar” o projeto. Um Jantar para Alice ficaria para outra oportunidade quem sabe um dia lhe seria concedida a oportunidade de existência. Sem dúvida aquela foi uma das piores situações já vividas por mim, pois recebi a notícia quando me deslocava do trabalho para casa, e naquele instante o ar, as nuvens, o clima da cidade mudaram como um efeito cinematográfico. Algumas coisas tomavam vida e outras caíam mortas aos meus pés e pude ver também, milhares de situações em flashes; e me vi refletido milhares de histórias. Então percebi, como nunca antes havia percebido antes, que a minha cidade era dividida por classes, e as menos favorecidas esperavam assim como eu por uma resposta, uma ação e uma atitude afirmativa para que fosse dado o novo caminho e pudessem sair daquela situação de uma vez por todas. Pela primeira vez estive face a face com a desistência, trancafiar tudo e descansar em casa por um período longo e numa breve oportunidade repensar os planos para o futuro.
No caminho de volta pra casa recebi outra ligação, uma voz familiar que há muito tempo não ouvia, era a mãe de um amigo de infância no qual eu também havia enviado o projeto para que ela pudesse ver o orçamento e em que poderia colaborar para possibilitar montar o espetáculo. Falamos um pouco de política que não era inevitável, família amigos e por fim Um Jantar para Alice, ela estava disposta a nos ajudar a retribuir os atos que há tempos nos possibilitou exercer uns sobre os outros; e em menos de duas horas, retomava o ar e o sangue das artérias de uma paciente que fora despachada pelos médicos sem chance de vida. Alice ganharia uma nova oportunidade neste mundo. Em menos de 24 horas tive que refazer tudo e traçar novos planos e refazer um novo percurso, exatamente neste ponto que Leury Monteiro entra na história, lembrei-me de nossas inquietações pelos corredores do Teatro Arthur Azevedo, onde estagiamos, discutindo produções das mais variadas; algumas maravilhosas e inesquecíveis que passaram por aquele palco e outras que subiam ali para profanar com as honras de Dioniso. Pensamos em formar no futuro um grupo para que pudesse trabalhar com produções artísticas que tivesse um verdadeiro comprometimento com a pesquisa e com o processo. Reunimo-nos sempre que tínhamos uma folga para ler e discutir teatro, criar novos trabalhos idéias e pensar o futuro. No dia 27 de abril surge o DRAO Teatro da (IN) constância, fundado por mim e meus companheiros Carla Amorim e Gilberto Martins. Dado momento, criamos um calendário onde cada um traria seus planos de pesquisa. Leury juntou-se a nós e propôs o desafio de inaugurar o histórico de produções do DRAO, com o espetáculo Um jantar para Alice e este seria o nosso marco inaugural. Em poucos dias, Leury trouxe-nos um novo plano estratégico e as etapas de pré-produção reformulada. Percorremos muitos lugares na tentativa de complementar o pouco recurso que tínhamos, mas em compensação testemunhamos o tamanho do comprometimento e da boa vontade das pessoas. Nessa jornada repleta de aventuras, nos vimos dentro de casarões abandonados com supostas placas de gráficas de serviço mais barato, perdido em ruas estranhas que nem mesmo sabíamos o nome, e como se não bastasse muito preconceito de algumas empresas com a nossa condição de estudantes e de um espetáculo um tanto duvidoso. Algumas tardes sem almoçar devido ao atraso da bolsa insignificante, algumas tardes caminhando na busca de soluções, enfrentando as mais variadas condições humanas, como a inveja, o espírito de concorrência e de pessoas que deixaram crescer somente o corpo e suas mentes permaneceram nas décadas de seu nascimento. Mas paralelo a esta mesma caminhada fizemos amigos, encontramos pessoas que um dia estiveram na mesma situação que a nossa. Fizemos estreitos laços de confiança e muitos desses nos ajudavam como podiam, acreditando no dia em que voltaríamos para retribuir o trabalho de parceria e o mérito dado, agora percebo que a intervenção de Deus nos fora um tanto útil à anulação daquele primeiro recurso financeiro, porque aprendemos a percorrer caminhos e sobreviver neste mundo tão irregular e injusto, mas de um resultado compensador que é o da arte cênica no maranhão onde só sobrevivem os vencedores. Dessa forma, o ofício de fazer teatro requer enfrentamento ousadia neste dado momento que privilegia a maturidade, desprendimento e muita coragem.
Partimos para a batalha, ainda sem sede própria para reuniões e nos articularmos melhor, tivemos como ponto de encontro o salão versátil do teatro Arthur Azevedo cedido pela ex-diretora da casa, professora Gisele Vasconcelos, para nossos ensaios e reuniões de segunda a quinta, aos sábados e domingo. E devido a algumas mudanças, hoje tivemos que alugar o espaço, pois não haveria um lugar mais acessível a todos para os encontros, investimos R$ 270 reais em aluguel de salas de uma bolsa de estudos um tanto duvidosa pelos seus atrasos. Noentanto, por vias de fato, tentando obter algumas parcerias para o custeio de algumas etapas que estariam por vir.